Dilma está pronta: "Fizemos e sabemos como continuar a fazer''
Em quase quatro horas de entrevista a revista Istoé, a candidata petista à Presidência da República, Dilma Rousseff, não refugou assuntos. Falou sobre questões pessoais e afetivas com a mesma naturalidade com que abordou temas da política e da economia. Emocionou-se quando relembrou seus dias de luta contra o câncer. Mesmo que jamais tenha buscado votos em sua vida pública, faz promessas de candidata e demonstra apetite para contrapor-se ao candidato da oposição, José Serra.
Leia abaixo trechos da entrevista.
IstoÉ – Por que a sra. acha que o presidente Lula a escolheu para sucedê-lo e quando exatamente se deu isso?
Dilma Rousseff – O presidente Lula me escolheu quatro vezes. A primeira foi na transição do governo de Fernando Henrique para o governo Lula, em 2002. O presidente me chamou para fazer a coordenação da área de infraestrutura porque me conhecia das reuniões do Instituto de Cidadania. Depois ele me escolheu para ser ministra de Minas e Energia. E, em 2005, para ser ministra da Casa Civil. Por último, me escolheu para ser pré-candidata para levar à frente o projeto de governo. Acho que me escolheu porque acompanhei com ele a construção de todos os grandes projetos. O presidente sabe que nós conseguimos, juntos, fazer estes projetos.
IstoÉ – Ser presidente era uma ambição pessoal da sra.?
Dilma – É um momento alto da minha vida, talvez o maior. Tem gente que passou uma vida inteira querendo ser presidente da República. Eu era mais modesta. Fui para a atividade pública porque queria servir. Pode parecer uma coisa falsa, mas acho que se pode servir à população brasileira no setor público.
Sempre acreditei que o Brasil podia mudar, mas isto era uma questão longínqua. Quando o Lula me chamou para a chefia da Casa Civil, ele pretendia que o governo entrasse na trilha do crescimento e da distribuição de renda para que o Brasil desse um salto, e vi nisso uma grande oportunidade.
IstoÉ – A sra. se considera preparada para o cargo?
Dilma – Tenho clareza, hoje, de que conheço bem o Brasil e os escaninhos do governo federal. Então, sem falsa modéstia, me acho extremamente capacitada para o exercício desse cargo. E acredito que o fato de não ser uma política tradicional pode incutir um pouco de novidade na gestão da coisa pública. Uma novidade bem-vinda.
Na minha opinião, critérios técnicos se combinam com políticos. Escolher onde aplicar é sempre um ato político. Por exemplo, eu acho que a grande missão nossa é erradicar a pobreza e que é possível erradicá-la nos próximos anos. Isto é um ato político. Outra pessoa pode escolher outra coisa.
IstoÉ – No horizonte de um governo, é possível erradicar a pobreza?
Dilma – Tem um estudo do Ipea mostrando que até 2016 é possível erradicar a pobreza extrema, a miséria. Mas o empresário Jorge Gerdau costuma dizer que “meta que se cumpre é meta errada”. Metas não são feitas para cumprir, mas para estabelecer um objetivo, criar uma força. Assim, acredito que o prazo de 2016 é viável, mantido o padrão do governo Lula. Nossa meta pode ser ainda mais ousada. Só não vou dizer qual porque, se passar dois dias sem cumpri-la, vão dizer: “Não cumpriu a meta”, como fazem com o PAC. Atrasar uma obra de engenharia em seis meses é a catástrofe no Brasil.
IstoÉ – O presidente Lula também trabalhou com metas quando foi candidato. Ele falava em dez milhões de empregos...
Dilma – Acho que a gente fecha em 14 milhões. Falei com a área econômica de dois bancos e ambos consideram que o crescimento do PIB será de 6,4%, podendo chegar a 7%, o que dá condições para se chegar a estes 14 milhões de empregos. Os dados da produção industrial que fechamos em março apontam um crescimento muito robusto e sustentável porque são os bens de capital que estão puxando esse desempenho.
IstoÉ – A sra. vai enfrentar um candidato que também se apresenta como um pós-Lula. O que a diferencia dele?
Dilma – Só se acredita em propostas para o futuro de quem cumpriu suas propostas no presente. O que nos distingue é que nós fizemos, nós sabemos o que fazer e como fazer. Mais do que isso, os projetos dos quais eu participei – 24 horas por dia nos últimos cinco anos – são prova cabal de que somos diferentes.
IstoÉ – A sra. não acha importante o fato de o PT ter assumido o governo com um quadro de estabilidade da moeda?
Dilma – Eu não queria fazer isso, mas, se vocês insistem, vamos lá: recordar é viver. Nós assumimos o governo com fragilidades em todas as áreas. Taxas de inflação acima de dois dígitos, déficit fiscal significativo e, sobretudo, uma fragilidade externa monstruosa. Tínhamos um empréstimo com o FMI de US$ 14 bilhões.
A margem de manobra nessa situação é zero. Você se coloca de joelhos junto aos credores internacionais. Quem fala com você é o sub do sub do sub. Isso não foi momentâneo. Foi uma década de estagnação, de desemprego e desigualdade. Nós tivemos, claro, coisas boas. Uma delas é a Lei de Responsabilidade Fiscal.
IstoÉ – Mas já cogitam mudá-la. A sra. é favorável a isto?
Dilma – Depende. Acho que para mexer em coisas que têm dado certo é recomendável caldo de galinha e muita calma. Mas, voltando ao recordar é viver, o Plano Real também teve mérito. Já em outros pontos fomos salvos pelo gongo. O país deve dar graças a Deus por não terem partido a Petrobras em pedaços, não terem privatizado o setor elétrico, Furnas, Eletronorte, Eletrosul. A privatização da telefonia foi correta, mas não acho hoje muito relevante. Hoje a banda larga é mais importante que a telefonia.
IstoÉ – A sra. acha que Serra seria a continuidade de FHC?
Dilma – Não tenho nenhum comentário a fazer sobre a pessoa José Serra. Tenho respeito por ele. Mas nós representamos projetos políticos distintos. Nós temos uma forma diferente de olhar o Estado.
IstoÉ – O governo FHC foi incompetente?
Dilma – O governo FHC representa um processo em que não acredito. Não acredito num projeto de privatização de rodovias que aumenta o custo Brasil por causa dos pedágios, que embute taxas de retorno de 26% ao ano. Em estradas federais, a qualidade melhorou muito com pedágios bem menores por uma razão muito simples: nós não cobramos concessão onerosa. Logística é igual a competitividade na veia.
IstoÉ – O que a sr. faria diferente do atual governo?
Dilma – Nós tivemos que trocar o pneu do carro com ele andando. Algumas coisas concluímos, em outras não conseguimos avançar. Acho imprescindível, para o patamar de crescimento atingido, fazer a reforma tributária. Não é proposta, é uma exigência. Se quisermos aumentar nossa produtividade e, consequentemente, nossa competitividade, precisamos acabar com coisas absurdas como a tributação em cascata.
IstoÉ – O governo atual também diz que tentou fazer isto.
Dilma – Não deu agora porque reforma tributária significa conflito federativo. Aprendemos que é inviável fazer reforma tributária sem compensações porque ela tem tempos diferentes. Para neutralizar o efeito negativo da perda de arrecadação, vamos criar um fundo de compensação. Este é o único mecanismo negociável.
IstoÉ – Os acordos políticos resultarão ainda em loteamento de cargos?
Dilma – Não. O apoio político é totalmente legítimo. Em todos os países há uma composição política que governa. O que você tem que exigir é padrões técnicos. Lutei muito para implantar isso no governo.
IstoÉ – Está satisfeita com o que foi feito?
Dilma – Acho que podemos melhorar.
IstoÉ – A sra. será avó, em breve. E provavelmente seu neto nascerá num hospital privado e se educará numa escola particular. Em que momento a sra. acha que o Brasil estará pronto para mudar isso?
Dilma – Quero muito que isso aconteça porque me esforcei muito para estudar numa excepcional escola pública, que era o Colégio Estadual de Minas Gerais. A gente fazia um vestibularzinho para passar ali. Era difícil. Este é o grande desafio do Brasil. Para a educação ser de qualidade, não é só prédio, laboratório, banda larga nas escolas. É, sobretudo, professor bem remunerado e com formação adequada.
IstoÉ – Qual a sua posição em relação ao aborto? A sra. passou pela experiência de fazer um aborto?
Dilma – Eu duvido que alguma mulher defenda e ache o aborto uma maravilha. O aborto é uma agressão ao corpo. Além de ser uma agressão, dói. Imagino que a pessoa saia de lá baqueada. Eu não tive que fazer aborto. Depois que minha filha nasceu, tive uma gravidez tubária, eu não podia mais ter filho. E antes disso só engravidei uma vez, quando perdi o filho por razões normais. Tive uma hemorragia, logo no início da gravidez, sem maiores efeitos físicos.
IstoÉ – Isso foi antes de sua filha nascer?
Dilma – Foi antes. Tanto é que eu fiquei com muito medo de perder minha filha, quando fiquei grávida. Mas todas as minhas amigas que vi passarem por experiências de aborto entraram chorando e saíram chorando. Eu acho que, do ponto de vista de um governo, o aborto não é uma questão de foro íntimo, mas de saúde pública. Você não pode hoje segregar mulheres. Deixar para a população de baixa renda os métodos terríveis, como aquelas agulhas de tricô compridas, o uso de chás absurdos, de métodos absolutamente medievais, enquanto as mulheres de renda mais alta recorrem a clínicas privadas para fazer aborto. Há muita falsidade nisto.
IstoÉ – A sra. defende uma legislação que descriminalize o aborto?
Dilma – Que obrigue a ter tratamento para as pessoas, para não haver risco de vida. Como nos países desenvolvidos do mundo inteiro. Atendimento público para quem estiver em condições de fazer o aborto ou querendo fazer o aborto.
IstoÉ – A Igreja Católica se opõe a isto.
Dilma – Entendo perfeitamente. Numa democracia, a Igreja tem absoluto direito de externar sua posição.
IstoÉ – A sra. é católica?
Dilma – Sou. Quer dizer, sou antes de tudo cristã. Num segundo momento sou católica. Tive minha formação no Colégio Sion.
IstoÉ – A sra. passou por um tratamento para curar um câncer e precisa submeter-se a revisões periódicas. O que deu sua revisão dos seis meses?
Dilma – Agora faço de seis em seis meses. Fiz há pouco, em abril, e deu tudo perfeito. Existe na sociedade e em cada um de nós uma visão ainda muito pesada sobre a questão do câncer. E isso provoca nas pessoas muita dificuldade em tratar a doença Eu tive a sorte de descobrir cedo. Estava fazendo um exame no estômago e resolveram ver como estavam minhas coronárias. Eu fui para fazer um exame de coronária e descobri um linfoma.
IstoÉ – Como a sra. reagiu?
Dilma – A notícia é impactante. Na hora eu não acreditei, estava me sentindo tão bem. Há uma contradição entre o que você sente e o que te falam. Para combater o câncer você precisa encontrar forças em você mesma. Tem que se voltar para você, não pode, de jeito nenhum, se entregar. Depois, você combate porque conta com apoio. Eu tive uma sorte danada, recebi apoio popular. Chegavam perto de mim e falavam que estavam rezando. A gente se comove muito. E também tive apoio dos amigos, do presidente, de meus colegas no governo.
IstoÉ – A sra. rezava?
Dilma – Ah, você reza, sim. E reza principalmente porque não é o câncer que é ruim, é o tratamento.
IstoÉ – A sra. tem medo que o câncer volte?
Dilma – Hoje não.
IstoÉ – Como a sra. encara a vida depois disso?
Dilma – A gente dá mais valor a coisas que costumam passar despercebidas. Você olha para o sol e fica pensando se você vai poder continuar vendo esta coisa bonita. Você fica mais alerta. Só combate isso se tiver força interna. Vou contar uma coisa. Eu não conhecia a Ana Maria Braga e um dia ela me ligou e conversou comigo explicando como tinha vencido o câncer dela, que o dela era mais difícil, diferente, e que superou. Vou ter sempre uma dívida com ela, porque, de forma absolutamente solidária e humana, ela me ligou naquele momento.
IstoÉ – Mudando de assunto, o Lula é um bom chefe?
Dilma – Sim. O Lula é uma pessoa extremamente afetiva. Ele não te olha como se você fosse um instrumento dele. Te olha como uma pessoa, te leva em consideração, te valoriza, brinca. Ele tem uma imensa qualidade: ele ri, ri de si mesmo.
IstoÉ – A sra. também será assim como chefe? Porque dizem que a senhora é o contrário disto, durona...
Dilma – Você não pense que o Lula não é duro não, hein?! É fácil até para você cobrar, em função disto. Basta dizer: amanhã tem reunião com o Lula. Simples...
IstoÉ – As reuniões são muito longas?
Dilma – A busca de um consenso é um jeito que criamos no governo. Algumas vezes o presidente chamava isto de toyotismo. Não é a linha de montagem da Ford, onde cada um vai olhando só uma parte. É aquele método de ilha da Toyota, porque você faz tudo em conjunto. Outra coisa é que a gente sempre discute com os setores interessados.
Sabe como saiu o Minha Casa, Minha Vida? Porque nós sentamos com eles (empresários da construção civil) e conversamos. Eles criticando o que se fazia, os 13 grandes mais a Câmara Brasileira da Indústria da Construção Civil. Se você não fizer isso, se não for absolutamente exaustivo no debate do detalhe, o projeto não fica em pé. Na curva ele cai.
IstoÉ – Hoje todo mundo comenta, inclusive dentro do partido, que, a partir da entrada do presidente na campanha, suas chances de vitória aumentam. A sra. traz essa expectativa também?
Dilma – Do nosso ponto de vista já é dado que o presidente participa. Nós nunca achamos que ele vai chegar um dia e participar depois. O presidente é a maior liderança do PT, a maior liderança da coligação do governo, uma das maiores lideranças do país, uma das maiores lideranças do mundo...
IstoÉ – O fato de ter duas mulheres pela primeira vez concorrendo dará um tom diferente à campanha?
Dilma – Acho que as mulheres estão preparadas para pleitear as suas respectivas candidaturas e o Brasil está preparado para as mulheres agora. Penso que é muito importante que haja um olhar feminino sobre o Brasil. As mulheres são sensíveis e isso é uma grande qualidade. As mulheres são sensatas e objetivas até porque lidam na vida privada com condições que exigem isto. Ou você não conseguiria botar filho na escola, providenciar comida, mandar tomar banho, ir trabalhar... As mulheres também são corajosas: a gente segura dor, a gente encara.
IstoÉ – A sra. é a favor ou contra a reeleição?
Dilma – Sou a favor. Acho muito importante.
IstoÉ – A sra. cederia a possibilidade de uma reeleição para o presidente Lula, no caso de ele querer se candidatar em 2014?
Dilma – Ele já me disse para não responder a essa pergunta.
IstoÉ – Até quando a sra. vai obedecer cegamente o que ele manda?
Dilma – Lula não exige obediências cegas.
Em quase quatro horas de entrevista a revista Istoé, a candidata petista à Presidência da República, Dilma Rousseff, não refugou assuntos. Falou sobre questões pessoais e afetivas com a mesma naturalidade com que abordou temas da política e da economia. Emocionou-se quando relembrou seus dias de luta contra o câncer. Mesmo que jamais tenha buscado votos em sua vida pública, faz promessas de candidata e demonstra apetite para contrapor-se ao candidato da oposição, José Serra.
Leia abaixo trechos da entrevista.
IstoÉ – Por que a sra. acha que o presidente Lula a escolheu para sucedê-lo e quando exatamente se deu isso?
Dilma Rousseff – O presidente Lula me escolheu quatro vezes. A primeira foi na transição do governo de Fernando Henrique para o governo Lula, em 2002. O presidente me chamou para fazer a coordenação da área de infraestrutura porque me conhecia das reuniões do Instituto de Cidadania. Depois ele me escolheu para ser ministra de Minas e Energia. E, em 2005, para ser ministra da Casa Civil. Por último, me escolheu para ser pré-candidata para levar à frente o projeto de governo. Acho que me escolheu porque acompanhei com ele a construção de todos os grandes projetos. O presidente sabe que nós conseguimos, juntos, fazer estes projetos.
IstoÉ – Ser presidente era uma ambição pessoal da sra.?
Dilma – É um momento alto da minha vida, talvez o maior. Tem gente que passou uma vida inteira querendo ser presidente da República. Eu era mais modesta. Fui para a atividade pública porque queria servir. Pode parecer uma coisa falsa, mas acho que se pode servir à população brasileira no setor público.
Sempre acreditei que o Brasil podia mudar, mas isto era uma questão longínqua. Quando o Lula me chamou para a chefia da Casa Civil, ele pretendia que o governo entrasse na trilha do crescimento e da distribuição de renda para que o Brasil desse um salto, e vi nisso uma grande oportunidade.
IstoÉ – A sra. se considera preparada para o cargo?
Dilma – Tenho clareza, hoje, de que conheço bem o Brasil e os escaninhos do governo federal. Então, sem falsa modéstia, me acho extremamente capacitada para o exercício desse cargo. E acredito que o fato de não ser uma política tradicional pode incutir um pouco de novidade na gestão da coisa pública. Uma novidade bem-vinda.
Na minha opinião, critérios técnicos se combinam com políticos. Escolher onde aplicar é sempre um ato político. Por exemplo, eu acho que a grande missão nossa é erradicar a pobreza e que é possível erradicá-la nos próximos anos. Isto é um ato político. Outra pessoa pode escolher outra coisa.
IstoÉ – No horizonte de um governo, é possível erradicar a pobreza?
Dilma – Tem um estudo do Ipea mostrando que até 2016 é possível erradicar a pobreza extrema, a miséria. Mas o empresário Jorge Gerdau costuma dizer que “meta que se cumpre é meta errada”. Metas não são feitas para cumprir, mas para estabelecer um objetivo, criar uma força. Assim, acredito que o prazo de 2016 é viável, mantido o padrão do governo Lula. Nossa meta pode ser ainda mais ousada. Só não vou dizer qual porque, se passar dois dias sem cumpri-la, vão dizer: “Não cumpriu a meta”, como fazem com o PAC. Atrasar uma obra de engenharia em seis meses é a catástrofe no Brasil.
IstoÉ – O presidente Lula também trabalhou com metas quando foi candidato. Ele falava em dez milhões de empregos...
Dilma – Acho que a gente fecha em 14 milhões. Falei com a área econômica de dois bancos e ambos consideram que o crescimento do PIB será de 6,4%, podendo chegar a 7%, o que dá condições para se chegar a estes 14 milhões de empregos. Os dados da produção industrial que fechamos em março apontam um crescimento muito robusto e sustentável porque são os bens de capital que estão puxando esse desempenho.
IstoÉ – A sra. vai enfrentar um candidato que também se apresenta como um pós-Lula. O que a diferencia dele?
Dilma – Só se acredita em propostas para o futuro de quem cumpriu suas propostas no presente. O que nos distingue é que nós fizemos, nós sabemos o que fazer e como fazer. Mais do que isso, os projetos dos quais eu participei – 24 horas por dia nos últimos cinco anos – são prova cabal de que somos diferentes.
IstoÉ – A sra. não acha importante o fato de o PT ter assumido o governo com um quadro de estabilidade da moeda?
Dilma – Eu não queria fazer isso, mas, se vocês insistem, vamos lá: recordar é viver. Nós assumimos o governo com fragilidades em todas as áreas. Taxas de inflação acima de dois dígitos, déficit fiscal significativo e, sobretudo, uma fragilidade externa monstruosa. Tínhamos um empréstimo com o FMI de US$ 14 bilhões.
A margem de manobra nessa situação é zero. Você se coloca de joelhos junto aos credores internacionais. Quem fala com você é o sub do sub do sub. Isso não foi momentâneo. Foi uma década de estagnação, de desemprego e desigualdade. Nós tivemos, claro, coisas boas. Uma delas é a Lei de Responsabilidade Fiscal.
IstoÉ – Mas já cogitam mudá-la. A sra. é favorável a isto?
Dilma – Depende. Acho que para mexer em coisas que têm dado certo é recomendável caldo de galinha e muita calma. Mas, voltando ao recordar é viver, o Plano Real também teve mérito. Já em outros pontos fomos salvos pelo gongo. O país deve dar graças a Deus por não terem partido a Petrobras em pedaços, não terem privatizado o setor elétrico, Furnas, Eletronorte, Eletrosul. A privatização da telefonia foi correta, mas não acho hoje muito relevante. Hoje a banda larga é mais importante que a telefonia.
IstoÉ – A sra. acha que Serra seria a continuidade de FHC?
Dilma – Não tenho nenhum comentário a fazer sobre a pessoa José Serra. Tenho respeito por ele. Mas nós representamos projetos políticos distintos. Nós temos uma forma diferente de olhar o Estado.
IstoÉ – O governo FHC foi incompetente?
Dilma – O governo FHC representa um processo em que não acredito. Não acredito num projeto de privatização de rodovias que aumenta o custo Brasil por causa dos pedágios, que embute taxas de retorno de 26% ao ano. Em estradas federais, a qualidade melhorou muito com pedágios bem menores por uma razão muito simples: nós não cobramos concessão onerosa. Logística é igual a competitividade na veia.
IstoÉ – O que a sr. faria diferente do atual governo?
Dilma – Nós tivemos que trocar o pneu do carro com ele andando. Algumas coisas concluímos, em outras não conseguimos avançar. Acho imprescindível, para o patamar de crescimento atingido, fazer a reforma tributária. Não é proposta, é uma exigência. Se quisermos aumentar nossa produtividade e, consequentemente, nossa competitividade, precisamos acabar com coisas absurdas como a tributação em cascata.
IstoÉ – O governo atual também diz que tentou fazer isto.
Dilma – Não deu agora porque reforma tributária significa conflito federativo. Aprendemos que é inviável fazer reforma tributária sem compensações porque ela tem tempos diferentes. Para neutralizar o efeito negativo da perda de arrecadação, vamos criar um fundo de compensação. Este é o único mecanismo negociável.
IstoÉ – Os acordos políticos resultarão ainda em loteamento de cargos?
Dilma – Não. O apoio político é totalmente legítimo. Em todos os países há uma composição política que governa. O que você tem que exigir é padrões técnicos. Lutei muito para implantar isso no governo.
IstoÉ – Está satisfeita com o que foi feito?
Dilma – Acho que podemos melhorar.
IstoÉ – A sra. será avó, em breve. E provavelmente seu neto nascerá num hospital privado e se educará numa escola particular. Em que momento a sra. acha que o Brasil estará pronto para mudar isso?
Dilma – Quero muito que isso aconteça porque me esforcei muito para estudar numa excepcional escola pública, que era o Colégio Estadual de Minas Gerais. A gente fazia um vestibularzinho para passar ali. Era difícil. Este é o grande desafio do Brasil. Para a educação ser de qualidade, não é só prédio, laboratório, banda larga nas escolas. É, sobretudo, professor bem remunerado e com formação adequada.
IstoÉ – Qual a sua posição em relação ao aborto? A sra. passou pela experiência de fazer um aborto?
Dilma – Eu duvido que alguma mulher defenda e ache o aborto uma maravilha. O aborto é uma agressão ao corpo. Além de ser uma agressão, dói. Imagino que a pessoa saia de lá baqueada. Eu não tive que fazer aborto. Depois que minha filha nasceu, tive uma gravidez tubária, eu não podia mais ter filho. E antes disso só engravidei uma vez, quando perdi o filho por razões normais. Tive uma hemorragia, logo no início da gravidez, sem maiores efeitos físicos.
IstoÉ – Isso foi antes de sua filha nascer?
Dilma – Foi antes. Tanto é que eu fiquei com muito medo de perder minha filha, quando fiquei grávida. Mas todas as minhas amigas que vi passarem por experiências de aborto entraram chorando e saíram chorando. Eu acho que, do ponto de vista de um governo, o aborto não é uma questão de foro íntimo, mas de saúde pública. Você não pode hoje segregar mulheres. Deixar para a população de baixa renda os métodos terríveis, como aquelas agulhas de tricô compridas, o uso de chás absurdos, de métodos absolutamente medievais, enquanto as mulheres de renda mais alta recorrem a clínicas privadas para fazer aborto. Há muita falsidade nisto.
IstoÉ – A sra. defende uma legislação que descriminalize o aborto?
Dilma – Que obrigue a ter tratamento para as pessoas, para não haver risco de vida. Como nos países desenvolvidos do mundo inteiro. Atendimento público para quem estiver em condições de fazer o aborto ou querendo fazer o aborto.
IstoÉ – A Igreja Católica se opõe a isto.
Dilma – Entendo perfeitamente. Numa democracia, a Igreja tem absoluto direito de externar sua posição.
IstoÉ – A sra. é católica?
Dilma – Sou. Quer dizer, sou antes de tudo cristã. Num segundo momento sou católica. Tive minha formação no Colégio Sion.
IstoÉ – A sra. passou por um tratamento para curar um câncer e precisa submeter-se a revisões periódicas. O que deu sua revisão dos seis meses?
Dilma – Agora faço de seis em seis meses. Fiz há pouco, em abril, e deu tudo perfeito. Existe na sociedade e em cada um de nós uma visão ainda muito pesada sobre a questão do câncer. E isso provoca nas pessoas muita dificuldade em tratar a doença Eu tive a sorte de descobrir cedo. Estava fazendo um exame no estômago e resolveram ver como estavam minhas coronárias. Eu fui para fazer um exame de coronária e descobri um linfoma.
IstoÉ – Como a sra. reagiu?
Dilma – A notícia é impactante. Na hora eu não acreditei, estava me sentindo tão bem. Há uma contradição entre o que você sente e o que te falam. Para combater o câncer você precisa encontrar forças em você mesma. Tem que se voltar para você, não pode, de jeito nenhum, se entregar. Depois, você combate porque conta com apoio. Eu tive uma sorte danada, recebi apoio popular. Chegavam perto de mim e falavam que estavam rezando. A gente se comove muito. E também tive apoio dos amigos, do presidente, de meus colegas no governo.
IstoÉ – A sra. rezava?
Dilma – Ah, você reza, sim. E reza principalmente porque não é o câncer que é ruim, é o tratamento.
IstoÉ – A sra. tem medo que o câncer volte?
Dilma – Hoje não.
IstoÉ – Como a sra. encara a vida depois disso?
Dilma – A gente dá mais valor a coisas que costumam passar despercebidas. Você olha para o sol e fica pensando se você vai poder continuar vendo esta coisa bonita. Você fica mais alerta. Só combate isso se tiver força interna. Vou contar uma coisa. Eu não conhecia a Ana Maria Braga e um dia ela me ligou e conversou comigo explicando como tinha vencido o câncer dela, que o dela era mais difícil, diferente, e que superou. Vou ter sempre uma dívida com ela, porque, de forma absolutamente solidária e humana, ela me ligou naquele momento.
IstoÉ – Mudando de assunto, o Lula é um bom chefe?
Dilma – Sim. O Lula é uma pessoa extremamente afetiva. Ele não te olha como se você fosse um instrumento dele. Te olha como uma pessoa, te leva em consideração, te valoriza, brinca. Ele tem uma imensa qualidade: ele ri, ri de si mesmo.
IstoÉ – A sra. também será assim como chefe? Porque dizem que a senhora é o contrário disto, durona...
Dilma – Você não pense que o Lula não é duro não, hein?! É fácil até para você cobrar, em função disto. Basta dizer: amanhã tem reunião com o Lula. Simples...
IstoÉ – As reuniões são muito longas?
Dilma – A busca de um consenso é um jeito que criamos no governo. Algumas vezes o presidente chamava isto de toyotismo. Não é a linha de montagem da Ford, onde cada um vai olhando só uma parte. É aquele método de ilha da Toyota, porque você faz tudo em conjunto. Outra coisa é que a gente sempre discute com os setores interessados.
Sabe como saiu o Minha Casa, Minha Vida? Porque nós sentamos com eles (empresários da construção civil) e conversamos. Eles criticando o que se fazia, os 13 grandes mais a Câmara Brasileira da Indústria da Construção Civil. Se você não fizer isso, se não for absolutamente exaustivo no debate do detalhe, o projeto não fica em pé. Na curva ele cai.
IstoÉ – Hoje todo mundo comenta, inclusive dentro do partido, que, a partir da entrada do presidente na campanha, suas chances de vitória aumentam. A sra. traz essa expectativa também?
Dilma – Do nosso ponto de vista já é dado que o presidente participa. Nós nunca achamos que ele vai chegar um dia e participar depois. O presidente é a maior liderança do PT, a maior liderança da coligação do governo, uma das maiores lideranças do país, uma das maiores lideranças do mundo...
IstoÉ – O fato de ter duas mulheres pela primeira vez concorrendo dará um tom diferente à campanha?
Dilma – Acho que as mulheres estão preparadas para pleitear as suas respectivas candidaturas e o Brasil está preparado para as mulheres agora. Penso que é muito importante que haja um olhar feminino sobre o Brasil. As mulheres são sensíveis e isso é uma grande qualidade. As mulheres são sensatas e objetivas até porque lidam na vida privada com condições que exigem isto. Ou você não conseguiria botar filho na escola, providenciar comida, mandar tomar banho, ir trabalhar... As mulheres também são corajosas: a gente segura dor, a gente encara.
IstoÉ – A sra. é a favor ou contra a reeleição?
Dilma – Sou a favor. Acho muito importante.
IstoÉ – A sra. cederia a possibilidade de uma reeleição para o presidente Lula, no caso de ele querer se candidatar em 2014?
Dilma – Ele já me disse para não responder a essa pergunta.
IstoÉ – Até quando a sra. vai obedecer cegamente o que ele manda?
Dilma – Lula não exige obediências cegas.
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